Moro num idílico paraíso ilusório no fundo de minhas memórias, que há
muito já perdeu o pitoresco encanto bucólico dos meus tempos de criança,
época em que nos dedicamos a usufruir sem ver, para depois de velhos,
repassar imagens do que não podemos mais usufruir...
Meu paraíso nada mais tem da Velha e calma Vila onde nasci, a não ser que eu
me sente na areia da praia, com tapa-olhos e protetores de ouvido, olhando
para o mar. Mas o mar é sempre mar. Não pode ser asfaltado, ainda não o
podem invadir os arranha-céus que nos arranham também os olhos e a alma.
O único refúgio imutável é a estrada velha do Convento da Penha, que,
tombada, nos derruba da soberba e nos faz tão recém-nascidos diante da
elegância e nobreza de suas árvores!
Lá, sim, me sinto em casa, como quando subia o morro do Convento pela mata
com o pai e o mano Tó. (...) Não havia prazer maior do que os nossos passeios
exploratórios com o pai!
Quando saíamos do perímetro quase urbano da Praia da Costa e vínhamos
como bandeirantes para os lados alviverdes de Itapoã (com seus barracos na
vila dos pescadores) e Itaparica, que só tinha aquele cavalo branco pastando
e esperando pelo susto, nunca poderíamos imaginar essa invasão
desenfreada do concreto que quase nos expulsa todos os passarinhos da
infância!
Quem hoje vê este emaranhado de prédios, asfalto e estranhos, nem sequer
consegue crer que o nosso melro veio nos adotar por livre e espontânea
vontade, descendo as escadas da casa como velho morador, depois de ter
pousado no terraço, cansado de explorar o mundo sozinho.
Mesmo assim, espremidos por todos os lados por paredes que se fecham como
sarcófagos e salas dos tesouros das antigas pirâmides, sufocando cada vez
mais o nosso oxigênio, quando acordo, ainda ouço bem-te-vis.
E feliz, abro a janela, olho para a árvore em frente e lhes dou bom dia.
Só que este ano, algo tem me instigado a curiosidade.
Tenho ouvido todos os dias um "canto triste d'araponga", sem lograr ver
arapongas...
E não é uma voz de araponga adulta, mas de filhotinha, se é que
araponguinhas bebê falam como os bebês humanos, com vozezinhas
pequenas...
Intrigada, resolvi investigar. E, voltando da rua, certo dia, ouvi-o cantar
novamente, bem na minha árvore de bem-te-vis.
Parei, esperei pacientemente, até que o danadinho apareceu, num galho mais
externo da dita cuja, e qual não foi o meu espanto!!! O canto de araponguinha
vinha de um baita bem-te-vizão albino.
Acho que o pai dele deve andar sem pio por aí, porque a Dona Bem-te-vi andou
passeando com o Arapongo da vizinha.
Ou então, esse sufocante progresso já está degenerando totalmente a natureza
perfeita com que Deus nos presenteou!
................................Tixa, 24/07/2005
Lindo texto, o que não me espanta.
ResponderExcluirPena do Bem-te-vi, chifrudo.
Hahaha!!!! Também tenho pena, isso não se faz!!!!!
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