quarta-feira, 2 de maio de 2012

Fugir ventando!


Às vezes me vejo remexendo em velhas memórias,tão bem guardadas que nem chegam a ser memórias, mas retalhos delas, restos roídos pelas traças do tempo implacável. 
Fico me perguntando se existe remédio para eliminar essas importunas destruidoras da minha história. (E mais, se não estou nova demais para tanto esquecimento, na flor dos meus quase 44.) 
Quero me lembrar de cenas da minha infância, quero registrar momentos que me foram caros, mas não confio tanto assim no que deveria ser a minha memória. Os traços que me lembro nem sempre compõem um desenho completo. Às vezes esboçam situações que nem sempre se inserem num contexto coerente. 
Mesmo assim, quem sabe eu consiga fazer esboços que, num persistente trabalho de patchwork, se tornem uma bela colcha de retalhos para eu deixar para a minha posteridade, até que as verdadeiras traças venham a roer e destruir os meus registros.
Penso nisto porque, quando passo pela 3ª Ponte e olho o meu querido Convento da Penha, sinto uma tremenda saudade do tempo em que eu ficava sentadinha no muro lá de casa, ouvindo o sino badalar as horas, ou as beatas cantando hinos durante as missas, com suas vozes anasaladas de taquara rachada, às quais eu imitava tão fielmente que a mamãe me mandava cantar para suas visitas do chá da tarde... E lá ia eu sala adentro, meus 7 ou 8 anos, a cantar para as tias risonhas (e eu morta de vergonha!!!): "♫♪Võs sõis meu pãstõr, õh, Senhõr...♪♫" 
E quando olho para o outro lado, o lindo e 'preservado' Morro do Moreno, ainda não tão violentado pela especulação imobiliária, me lembro dos passeios maravilhosos que fazia com o Papai e o Tó, meu querido mano Tó, - que saudades tenho de ti, de nós, da nossa linda infância nesta Praia da Costa que hoje está tão fria, violenta e irreconhecível!! Era bem nossa quando no nosso quarteirão só tinha a nossa casa e aquele fabuloso pé de ingá que foi a sede do nosso clubinho! 
Lembro-me especialmente de um passeio exploratório que começou com uma ida à praia. Fomos caminhando em direção à Sereia, mas não nos detivemos por lá. Passamos pelo Clube Libanês, e o Papai resolveu ir conosco ao Morro do Moreno. 
Mas nós éramos pequeninos, e perninhas curtas demoram mais a percorrer certas distâncias, vai daí que quando chegamos ao Moreno, o sol já ia alto, e o chão, como queimava!!! Começamos a nos queixar dos pezinhos ardendo, e o nosso Pai Herói lá foi catar ao mato folhas grandes e cipós para nos proteger as solas dos pés, fazendo-nos os sapatos mais legais que já tivemos! Lembras disso?
E quando fomos explorar o mato lá pelas bandas de Itapoã e Itaparica? Era só mato e areia branca, nenhuma casa, nem mesmo rua. Até que chegamos a uma clareira e vimos aquele cavalo branco pastando, e o Papai nos fez parar em silêncio, esperando atrás da moita, para, de repente, sair numa corrida desabalada, batendo as mãos nas pernas imitando o galope dos cavalos. 
Depois desse episódio, toda vez que ouço ou leio a expressão "fugir ventando", a imagem que me vem à mente é a fuga estrepitosa daquele cavalo apavorado, literalmente "ventando"!


                                                         ..........................................Tixa, 25,26/05/2005

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